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sábado, maio 03, 2014

1 Olá a SanTiago!

Não, não cheguei apenas agora a Santiago de Compostela!
Desde a última vez que estes mundos se encheram de palavras, estive a viver: primeiro, a mágica experiência da Caminhada a Santiago de Compostela; depois, os dias encheram-se das minhas pessoas e dos meus lugares. Haverá algo melhor do que isso??
Contudo, fui atualizando novidades no instagram – já foram lá visitar-me? [Confesso que andei e ando um “pouco muito” viciada naquilo.]

Focando, Olá Santiago!

[Fonte: Oficina do Peregrino. Foto e edição: 1981 MM.]

Há vivências que, por mais palavras que se usem, nunca vão conseguir transmitir a intensidade, a profundidade de tudo aquilo que se vive pelo caminho. Talvez por isso, procrastinei tanto este tema até não poder mais. Como escrevi na última publicação, não foi a primeira vez que o fiz. Da primeira vez, deixei apenas um apontamento fotográfico muito breve, aqui. Se uma imagem vale mais do que 1000 palavras, um sentir vale mais que 1000 imagens. E, também por isso, fui adiando partilhar este Caminho, que é uma das melhores e maiores experiências da minha vida.

Escolho o agora – este é o momento certo para vos fazer chegar Santiago. Porquê? Já não tenho uma caminhada na mochila da minha vida, mas sim duas. Duas caminhadas tão diferentes em tudo. E acredito que isso contribuiu para, desta vez, ter chegado cá tão cheia de coração, tão cheia de paz e mais feliz, mais alegre, mais forte. E como 2 é mais do que 1, agora tenho duas vivências em comparação. Reconheço que nada é comparável com outro nada, porque cada “nada” é único, mas torna-se inevitável ao meu cérebro e ao meu coração. Acrescentei a este 2 um 3, que é uma experiência de vida na terceira pessoa.
Para quem queira “fazer o Caminho” e para quem não o queira fazer, mas compreender as motivações e experiências de quem o faz, recomendo vivamente a leitura de “Bom Caminho”, de Fausta Cardoso Pereira.

[Fotos e edição: 1981 MM.]

Editado em dezembro 2013 [atualizadíssimo, portanto], comprado em fevereiro 2014, comecei a lê-lo dias antes de dar início ao meu segundo Caminho, mas consegui terminá-lo somente agora. Ofereceu-me uma perspetiva diferente, de quem viveu a experiência de dois Caminhos, o primeiro de bicicleta, o segundo a pé, acompanhada por uma e duas pessoas em cada caminho, respetivamente.

Em que é que a minha experiência foi diferente da dela?
Eu fui acompanhada por 108 mágicas pessoas no primeiro Caminho, 101 no segundo. Como podem deduzir, esta diferença quantitativa [e qualitativa também] do número de pessoas também faz TODA a diferença em todo o Caminho.
Como é que eu encontrei mais de 100 pessoas disponíveis para caminhar comigo até Santiago, na mesma altura do ano?
Quem explica essa sinergia simbiótica tem o nome de G.A.S.Porto – Grupo de Ação Social do Porto, a ONGD que acrescenta algo maior e melhor à minha vida!
Quem me conhece e quem me acompanha por estes mundos há algum tempo já leu sobre o G.A.S. Porto aqui, aqui, aqui e aqui também [no mínimo!!]…

Quanto às motivações, bem…

 
[Foto e edição: 1981 MM. Fonte: Páginas do livro Bom Caminho]

Cada pessoa que faz O Caminho tem as suas motivações, sejam elas intrínsecas (de foro pessoal) ou extrínsecas (relacionadas com motivos externos). A mesma pessoa que faz o Caminho mais do que uma vez, em cada vez leva as suas experiências, perde o que tem a perder, ganha o que tem a ganhar. Cada Caminho é O Caminho. Cada Caminho é UM. Único. E nós, aqueles que fazemos o Caminho, não somos os mesmos que eramos antes da partida. Cada Caminho tem o poder de nos transformar. A pessoa que parte não é a mesma que regressa. Assustador?! Não, nada disso! Revelador!!

Será por isso que quem faz o Caminho pela primeira vez tem sempre vontade de repetir o Caminho? Porque nenhuma repetição é repetição.
Além de se poder optar por vários Caminhos [o Português, o Francês, o do Norte, o Inglês, o “Via de La Plata” são os mais conhecidos], as pessoas que nos acompanham podem ser outras, as mesmas pessoas também já são outras, as pessoas com quem nos cruzamos no caminho são outras também, a TUA pessoa também já é OUTRA relativamente ao Caminho anterior. As condições meteorológicas podem não ser as mesmas [e como isso foi determinante nos meus dois caminhos!!], bem como os espaços físicos [os albergues, os mosteiros ou os pavilhões desportivos, no nosso caso] onde se pernoita. Em suma, TUDO é diferente e encarado como uma nova primeira vez. Claro que estou a referir-me a quem faz o Caminho pelo Caminho. As modas e tendências atuais contam-nos as histórias de muitos que fazem o Caminho apenas para contar kms, seja nos pés, seja nas rodas, ou até mesmo nas patas, porque o Caminho também pode ser feito a cavalo. Sim, estas são as três autênticas formas de se chegar em peregrinação a Santiago: pé, bicicleta ou cavalo.

Peregrinação? Ainda não tinha aqui introduzido este conceito. Ouve-se muito falar das peregrinações a Fátima [eu ouvi isto quase toda a vida, ou o meu segundo nome, depois de Maria, não fosse esse!!]. Todavia, não se ouve tanto a expressão “peregrinação a Santiago”. Tendemos a definir peregrinação como um momento sofrido de fé. Será o Caminho de Santiago um momento assim? Para mim, que nada sou e que apenas duas experiências de peregrinação trago na mochila, fazer o Caminho de Santiago não é o mesmo que fazer o Caminho de Fátima, embora os dois se cruzem pelos caminhos de Portugal e embora eu nunca tenha percorrido o caminho de Fátima.

[Foto e edição: 1981 MM.]

Diz-se que o peregrino é aquele que caminha em busca de algo espiritual. Se assim é, eu já era peregrina antes mesmo de o ser.
Ouvi em tempos dizer que um sapiente caminhante de muitos caminhos postulava que o Caminho de Fátima é um caminho de fé, de dor, de promessas a cumprir, e que o Caminho de Santiago de Compostela é um caminho de autoconhecimento, de revelação, de transformação, de dentro para fora e de fora para dentro. Não quero com isto dizer que não se sofre até Santiago. Muito pelo contrário! Além de se sofrer no corpo, sofre-se na alma. Mas, o sofrimento da alma recebe também uma cura…se não for pelo Caminho, será certamente na chegada ao destino – a Praça do Obradoiro, a Catedral de Santiago.

[Foto e edição: 1981 MM.]

 Acredito de corpo e alma inteiras nestas palavras. A pausa paradoxal que se faz pelo Caminho de Santiago é aquela pausa que nos obriga a parar tudo nesta vida que vivemos aqui, para, durante 5/6 dias, pararmos sem parar de caminhar. “Andar sem parar” enquanto se pára a mente para “ir mais fundo”.
E, sem querer ser pretensiosa, vou aqui introduzir um novo significado, cuja palavra raiz ainda não fiz nascer. Explicando, “Ultreia” e “Suseia” são duas palavras frequentemente utilizadas no Caminho. Não só são uma saudação e cumprimento entre peregrinos (um diz Ultreia, o outro responde Suseia), como também é o grito pronunciado pelos mesmos [já desde os tempos da Idade Média], quando avistam as torres da Catedral e também quando lá chegam, para simbolizar a alegria de terem chegado ao “fim” da peregrinação. Curioso este fim, na medida em que o fim do Caminho é sempre um novo recomeço, um novo início.

Mas, o que querem dizer estas duas palavras? 
Ultreia significa “mais além”. Suseia significa “mais acima”. O objetivo é ir mais além, ir mais acima, acreditando que tudo é possível, superando todos os nossos medos e desconfortos, aprendendo a re-definir e apreciar o que é essencial. Quando assim é, acredito que também estamos a “ir mais fundo”, não de Santiago, mas de nós próprios, de quem somos hoje. É conhecer um nível de profundidade que até então não tínhamos alcançado. Ao ir mais além e mais acima, com a proteção das estrelas [sabiam que Compostela significa “Campo de Estrelas”? E que antes de existirem as setas amarelas que marcam o Caminho, era a Via Láctea que orientava os peregrinos?], estamos, na sua relação inversa, a ir mais fundo também – à radicalidade, à raiz do nosso EU.

Há tanto para descobrir no Caminho de Santiago de Compostela que precisaria de um blogue inteiro para desvelar a experiência deste mundo! São tantos os momentos que tenho vontade de partilhar que há sempre um ou outro que só me lembro depois. É, de facto, uma experiência que marca toda a minha vida. Desde a primeira vez que fiz o Caminho, dei por mim a referir essa experiência em muitas conversas de café, em algumas apresentações públicas, em outras salas de aulas. É, realmente, um Caminho que nos torna diferentes. Na maioria das vezes, mais fortes, mais intensos, com vontades maiores, mais simples, mais posicionados no mundo. Para mim, foi e ainda é uma experiência que serve de referência em muitos momentos da vida que vivi depois do Caminho. Há, sem dúvida, um A.C. e um D.C. [sem qualquer relação com a religião Cristã ou com o fenómeno Cristiano Ronaldo] – Antes do Caminho e Depois do Caminho.

Sabem o que é mais curioso?
Vocês, que ficaram por cá, também estiveram a caminhar, a criar e a construir o vosso caminho.
Cuidaram bem de vocês pelo caminho?

[Foto: G.A.S.Porto]